domingo, 27 de março de 2011

Não há democracia com burca


As mulheres não são felizes exercendo o papel que lhes foi reservado pelos conservadores; essa argumentação deve ser vigorosamente rejeitada.

Assistimos à derrubada da ditadura egípcia e aos movimentos revolucionários na Líbia, Iêmen, Bahrein e em outros países do Oriente, onde as populações clamam por democracia; o restante do mundo assiste ao desenrolar dos fatos formulando as mais variadas análises.

Deposto Hosni Mubarak, uma junta militar promete conduzir o Egito às eleições. As liberdades democráticas são a principal reivindicação do mundo árabe.

Antes de qualquer análise, porém, é preciso lembrar que estamos falando de uma região que concentra maioria esmagadora de seguidores do islamismo. Nesse contexto, é impossível prever qual a influência dos cânones religiosos na reestruturação que está por vir.

Embora muitos argumentem que alguns dos países em transformação têm tradição de Estado laico, como o Egito, as imagens internacionais evidenciam a forte presença religiosa entre os sublevados, fazendo crer que o potencial de crescimento da Irmandade Muçulmana não deve ser subestimado.

As maiores vítimas da repressão, as mulheres, gritam através da burca que lhes cobre o corpo, o rosto, a boca. Amordaçadas, apenas com os olhos descobertos, elas querem participar e tentam se fazer ouvir.

O que é uma mulher no islã? Sobre isso, os articulistas brasileiros pouco têm falado.

Alguns estudiosos do Oriente Médio, chamados a escrever para jornais ou para opinar na TV, simplesmente desconsideram o problema das mulheres. Não as enxergam. Falam em futuro promissor, em democracia, mas esquecem os direitos humanos que a antecedem.
Acharão normal que, passada a revolução e atingido o objetivo de derrubar ditadores, as mulheres voltem para casa e se recolham ao cárcere domiciliar? A condição de mais da metade da população não faz parte da história que certos intelectuais pretendem contar.

Nem se diga que as mulheres são felizes exercendo o papel que lhes foi reservado pelos conservadores, que elas não precisam de mais nada além de obedecer aos maridos e ter filhos, que usam o véu espontaneamente e que precisam dos homens para se sentir protegidas. Enfim, que tudo se justifica pela tradição cultural.

Não há dúvida de que essa argumentação obscurantista deve ser vigorosamente rejeitada, pois os direitos humanos são universais, não importando a região do mundo de que se trate. Definitivamente, mulheres não conseguem ser felizes na condição análoga à de escrava.

A mulher no islã não tem direitos sexuais. Muitas são submetidas à mutilação genital. Tampouco tem direitos patrimoniais, intelectuais ou mesmo de livre locomoção. Não podem dirigir veículo. Não podem mostrar os cabelos, não podem usar roupas que realcem as formas do corpo e são obrigadas a cobrir-se da cabeça aos pés para sair às ruas.

A revolução "democrática", seja no Egito, seja na Líbia ou em qualquer outro país majoritariamente islâmico, corre o risco de não contemplar a mulher, deixando de assegurar a igualdade de direitos. E não pode haver democracia com burca.

LUIZA NAGIB ELUF
é procuradora de Justiça do Ministério Público de São Paulo. Foi secretária nacional dos Direitos da Cidadania no governo FHC e subprefeita da Lapa na gestão Serra/Kassab. É autora de "A Paixão no Banco dos Réus" e de "Matar ou Morrer - O Caso Euclides da Cunha", entre outros.

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

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NAGIB ELUF

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